Estatua de Guerra Junqueiro-PORTO (net)
Não sendo um amigo extraordinário do Bussaco,
Guerra Junqueiro também por aqui andou ,
e numa Romaria da Ascenção até se encontrou
com Tomas da Fonseca , escritor de Laceiras, Mortágua
e apresentou-lhe o nosso Poeta Cavador Manuel Alves,
natural da Moita, Anadia.
Mais ou menos por esse tempo escreveu a prosa que se
segue a propósito da Pátria e sua governação que,
face á crise dos nossos dias parece manter-se actual .
Vale a pena ler:
"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora,
aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias,
sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem
donde vem, nem onde está, nem para onde vai;
um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que
um lampejo misterioso da alma nacional,
reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,
não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha,
sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima,
descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação,
da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa
sucedam, entre a indiferença geral,escândalos monstruosos,
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo;
este criado de quarto do moderador; e este, finalmente,
tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara
ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções,
incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico
e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos,
iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero,
e não se malgando e fundindo, apesar disso,
pela razão que alguém deu no parlamento,
de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
Guerra Junqueiro, 1896.